O criador do ChatGPT considera que já começou a escrever o futuro. Em um texto com tons oraculares, descreve o advento de um mundo transformado pela IA: uma Era da Inteligência. Por trás dessa retórica, há um plano. Para convencer os investidores enquanto a OpenAI ainda não é rentável, Altman aposta alto: uma profecia sem plano de negócios
Imagine o seguinte: fim das mudanças climáticas, colônias no espaço; nenhum mistério, nenhuma incógnita, nenhum impedimento. A vida além de todos os limites — planetários, climáticos, cognitivos. Para Sam Altman, fundador da OpenAI, não se trata de um sonho, mas de uma profecia: o advento de uma “Era da Inteligência”, na qual tudo o que as sociedades humanas puderem fazer estará dentro dos limites do que hoje é magia.
A receita é bem conhecida. É uma função desconcertantemente simples: quanto mais se alimenta o algoritmo, mais preciso ele se torna. Em essência, o que Sam Altman está explicando é que a Era da Inteligência, apesar de alguns pequenos detalhes a serem ajustados, está ao nosso alcance se nos dermos os meios para massificar a IA.
Mas essa visão de futuro — apresentada literalmente como tal — tem um contexto muito real: a OpenAI enfrenta um problema de rentabilidade.
Há várias semanas, Altman propõe aos atores econômicos internacionais um plano para financiar sua nova era, cujos detalhes ainda são secretos, mas sabe-se que exigiria um investimento inicial de pelo menos vários trilhões de dólares.
Criticado pelos diretores da TSMC, que o chamaram de “podcasting bro”, o novo projeto do fundador da OpenAI parece preocupar Washington. Ao planejar a construção de dezenas de novos centros de dados com financiamento maciço proveniente dos Estados do Golfo, o criador do ChatGPT estaria representando uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos?
O pitch poderia ser resumido assim: a tecnologia para mudar o mundo existe; ela só pode melhorar a sociedade se for significativamente aprimorada; mas, para melhorar o algoritmo, é necessário efeito de escala e infraestrutura; para isso, é preciso financiamento.
Além do panfleto de vendas para investidores, cujo argumento principal constitui a estrutura deste texto, não podemos entender os fundamentos surpreendentes do pensamento de Sam Altman sem ler seus textos e lembrar que, para ele, a verdade da IA é a Lei de Moore estendida a tudo.
Nas próximas décadas, seremos capazes de fazer coisas que nossos avós considerariam mágica
Não é um fenômeno novo, mas está prestes a se acelerar. Com o tempo, as capacidades das pessoas aumentaram consideravelmente; hoje já podemos fazer coisas que nossos predecessores teriam considerado impossíveis.
Esse aumento de nossas capacidades não se deve a uma mutação genética. Foi possível porque nos beneficiamos da infraestrutura da sociedade, que é muito mais inteligente e capaz do que qualquer um de nós. A própria sociedade, no sentido mais amplo, é uma forma de inteligência avançada. Nossos avós e as gerações anteriores a eles construíram e realizaram grandes feitos. Ajudaram a erguer a estrutura do progresso humano da qual todos nos beneficiamos. A IA dará às pessoas as ferramentas para resolver problemas difíceis e nos ajudará a reforçar essa estrutura com novas peças que não seríamos capazes de encontrar sozinhos. A história do progresso continuará, e nossos filhos poderão fazer coisas que nós não conseguimos.
Não acontecerá de repente. Mas em breve poderemos trabalhar com IAs que nos ajudarão a alcançar muito mais do que conseguiríamos sem elas; um dia, todos poderemos ter conosco uma equipe pessoal de IA, formada por especialistas virtuais em diferentes campos, que trabalharão juntos para criar quase tudo o que pudermos imaginar. Nossos filhos terão tutores virtuais capazes de lhes proporcionar um ensino personalizado em qualquer matéria, em qualquer idioma e em qualquer ritmo. A nós cabe imaginar ideias semelhantes para melhorar a saúde, a capacidade de criar todo tipo de software imaginável e muitas outras coisas.
Com essas novas capacidades, seremos capazes de criar uma prosperidade compartilhada a um grau que hoje parece inimaginável; no futuro, a vida de todos pode ser melhor do que a atual. Embora a prosperidade em si não torne necessariamente as pessoas felizes — há muitos ricos infelizes — ela melhoraria significativamente a vida das pessoas no mundo inteiro.
Eis uma forma bastante limitada de ver a história da humanidade: após milhares de anos de descobertas científicas e avanços tecnológicos, encontramos uma forma de fundir areia, adicionar alguns elementos impuros, dispor tudo com precisão impressionante numa escala extraordinariamente pequena para fabricar chips, fazer a energia circular por eles e obter sistemas capazes de criar inteligências artificiais cada vez mais potentes.
Isso pode se tornar o acontecimento mais importante da história até agora. É possível que tenhamos superinteligência em alguns milhares de dias (!); pode levar mais tempo, mas estou convencido de que chegaremos lá.
Como chegamos ao limiar do próximo salto em prosperidade?
Em duas palavras: aprendizado profundo (deep learning).
Em poucas palavras: o aprendizado profundo funcionou, melhorou de forma previsível à medida que foi ampliado, e dedicamos a ele cada vez mais recursos.
Tão simples assim. A humanidade descobriu um algoritmo capaz de realmente aprender qualquer distribuição de dados ou, melhor dizendo, as “regras” subjacentes que produzem qualquer distribuição de dados. Com um grau surpreendente de precisão, quanto mais cálculos e dados estiverem disponíveis, melhor o algoritmo poderá ajudar as pessoas a resolver problemas difíceis. Por mais tempo que passe refletindo sobre isso, nunca consigo compreender plenamente a importância dessa questão.
Ainda restam muitos detalhes a serem resolvidos. Mas seria um erro nos distrairmos com um desafio específico. O aprendizado profundo funciona, e resolveremos os problemas restantes. Há muito a dizer sobre o que pode acontecer em seguida. O principal é que a IA melhorará à medida que for escalada, o que trará melhorias significativas na vida das pessoas ao redor do mundo.
Em breve, os modelos de IA servirão como assistentes pessoais autônomos que realizarão tarefas específicas em nosso nome, como coordenar cuidados médicos. Chegará um momento em que os sistemas de IA serão tão potentes que nos ajudarão a melhorar os sistemas da próxima geração e a fazer avanços científicos em todas as áreas.
A tecnologia nos levou da Idade da Pedra ao nascimento da agricultura e, depois, à era industrial. A partir daí, o caminho rumo à Era da Inteligência está pavimentado com cálculos, energia e vontade humana.
Se quisermos colocar a IA ao alcance do maior número possível de pessoas, precisamos reduzir o custo do cálculo e torná-lo abundante, o que exige muita energia e chips.
Em outras palavras, se não construirmos infraestrutura suficiente, a IA será um recurso muito limitado que será motivo de guerras e se tornará principalmente uma ferramenta para os ricos.
Por isso, temos que agir com prudência, mas também com convicção. A chegada da Era da Inteligência é um acontecimento transcendental que traz consigo desafios muito complexos e apostas extremamente altas. A história não será totalmente positiva, mas o potencial é tão enorme que precisamos, agora e no futuro, encontrar formas de gerir os riscos que enfrentamos.
O futuro é tão brilhante que ninguém conseguirá fazer-lhe justiça tentando escrevê-lo agora; uma característica definidora da Era da Inteligência será a prosperidade massiva.
Embora isso aconteça gradualmente, os triunfos impressionantes — resolver a questão climática, estabelecer uma colônia no espaço e descobrir toda a física — acabarão se tornando algo comum. Com uma inteligência quase ilimitada e energia abundante — a capacidade de gerar grandes ideias e de torná-las realidade — podemos realizar muitas coisas.
Como vimos com outras tecnologias, também haverá inconvenientes, e precisamos começar a trabalhar desde já para maximizar os benefícios da IA e minimizar seus efeitos negativos. Como exemplo, esperamos que essa tecnologia impulsione mudanças significativas nos mercados de trabalho, tanto no bom quanto no mau sentido, nos próximos anos. Mas a maioria dos empregos mudará mais devagar do que pensamos, e não me preocupa que fiquemos sem coisas para fazer, mesmo que aquilo que façamos no futuro não se pareça com o que hoje consideramos “trabalhos reais”. As pessoas têm um desejo inato de criar e de serem úteis aos outros. E a IA nos permitirá expandir nossas próprias capacidades como nunca antes. Como sociedade, voltaremos a viver em um mundo em expansão e poderemos nos concentrar novamente em jogos de soma positiva.
Muitos dos trabalhos que fazemos hoje teriam sido considerados perdas de tempo insignificantes pelas pessoas de alguns séculos atrás. No entanto, ninguém olha para trás desejando ter sido acendedor de lampiões. Se um acendedor de lampiões pudesse ver o mundo de hoje, pensaria que a prosperidade ao seu redor é inimaginável. Se pudéssemos avançar cem anos a partir de hoje, a prosperidade ao nosso redor nos pareceria igualmente inimaginável.
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