Argentina. A Inteligência Artificial chegou ao Congresso: os debates para legislar sobre um futuro presente. As perspectivas para 2025.

Autor: Fernando Brovelli

Jornalista e colaborador que trabalhou no El País, um dos mais importantes jornais de língua espanhola, com sede em Madrid. O seu trabalho tem sido especialmente relevante na área da tecnologia e inovação digital. Em seus artigos, abordou temas como transformação digital, inteligência artificial, impacto da tecnologia na sociedade e outros assuntos relacionados ao mundo digital.

Política

15 Jan, 2025

15 Jan, 2025

Argentina. A Inteligência Artificial chegou ao Congresso: os debates para legislar sobre um futuro presente. As perspectivas para 2025

Todos os blocos políticos já tomaram posição com projetos que abordam o papel da Inteligência Artificial na segurança e na educação. O que se espera para 2025?

A Inteligência Artificial (IA) já é uma realidade em nossas vidas. Ela está presente nas escolas, nos locais de trabalho e nos mercados financeiros; também no Poder Judiciário, nos Serviços de Inteligência e nas delegacias. Diante desse cenário e do delicado equilíbrio entre a preservação da informação privada e a promoção da inovação por parte dos criadores, os representantes do Congresso buscam criar marcos regulatórios para um universo tão abstrato e complexo quanto presente e massivo em nosso cotidiano.

Em termos gerais, todos os projetos refletem o entusiasmo parlamentar em legislar sobre os sistemas de geração e as práticas resultantes do uso da IA, com foco em três áreas principais: segurança, educação e Justiça. As primeiras iniciativas foram centralizadas na Comissão de Ciência e Tecnologia, que recebeu especialistas do setor. Eles enfatizaram a necessidade de serem ouvidos para evitar erros na formulação de normas diante do ritmo acelerado da inovação tecnológica. Nesse contexto, após consultar sete deputados e um especialista, emergiram duas tendências concretas: criar novos marcos regulatórios para o setor ou modificar a legislação existente com foco na IA.

Registro Nacional de Sistemas de Inteligência Artificial

“Existem inúmeras possibilidades de legislar sobre a IA, e é necessário e inevitável fazê-lo, mas com muita seriedade, conhecimento e base científica”, afirmou Mónica Litza (Unión por la Patria), deputada da província de Buenos Aires e uma das signatárias da proposta para a criação de um Registro Nacional de Sistemas de Inteligência Artificial. O objetivo é estabelecer um cadastro geral dos atores envolvidos no setor e criar um sistema de pontuação baseado em potenciais riscos.

Seu colega de bancada e coautor do projeto, o deputado de Santa Fé Diego Giuliano, destacou que essa é uma discussão global e que uma regulamentação “não significa impedir o avanço da IA, mas sim buscar uma regulação razoável”. Ele acrescentou: “É preciso colocar na mesa o debate sobre os algoritmos, as instruções dadas à IA e o papel do Estado e de instituições especializadas para que o uso da tecnologia beneficie o desenvolvimento, a educação, a formação e a evolução da sociedade”.

Defensora de uma abordagem baseada na atualização da legislação vigente, a deputada Pamela Calletti (Innovación Federal), da província de Salta, propôs modificar a Lei N° 24.240 de Defesa do Consumidor para estabelecer mecanismos de transparência e responsabilidade pelos danos causados pelos sistemas de IA. “Acredito na necessidade de estabelecer um marco legal que proteja os direitos das pessoas. Obviamente, ele deve respeitar a lógica da tecnologia envolvida”, afirmou. No entanto, lamentou que “a Argentina tem uma Lei de Dados anterior ao surgimento do Facebook”, referindo-se à Lei N° 25.326 de Proteção de Dados Pessoais, sancionada no ano 2000.

Enquanto isso, Silvana Giudici (PRO), deputada de Buenos Aires, analisou que “na Argentina, já tentamos regular a inovação tecnológica e falhamos, porque a regulamentação sempre chega décadas atrasada em relação à inovação.” Por isso, sugeriu estabelecer “um marco regulatório amplo e flexível.” Giudici criticou que muitos projetos no Congresso são “excessivamente regulatórios ou restritivos” e, em vez disso, propôs fazer “pequenas intervenções com base em ações que já são ilegais.”

Essa posição é compartilhada por Lucas Barreiro, cofundador da Privaia e especialista em proteção de dados, que enfatizou que já existem regulamentações que podem ser adaptadas aos desafios atuais. “O que acontece quando um sistema de IA causa um dano? Quem é o responsável? O desenvolvedor original, o implementador, o vendedor ou, em última instância, o usuário?”, questionou. Em sua opinião, a resposta já está no Código Civil e Comercial: “Não é necessário criar uma lei abrangente para regulamentar a IA.”

Da mesma forma, Juan Brügge (Encuentro Federal), deputado de Córdoba, argumentou que “o Código Civil e Comercial já estabelece a responsabilidade pelo que uma IA decide ou faz.” Ele também propôs a criação de um Conselho Consultivo de Inteligência Artificial para garantir o uso responsável da IA no país. Segundo Brügge, o objetivo da regulamentação é “definir diferentes níveis de responsabilidade entre quem projeta um sistema, quem o usa e quem é afetado por ele,” garantindo regras claras para todas as partes envolvidas.

O setor judiciário já destaca o potencial da IA nas investigações criminais, mas, em termos de segurança, novas preocupações estão surgindo no Congresso, especialmente em relação à violação de dados e manipulação de vozes e imagens (deepfakes), que podem até ser usadas para violações da privacidade sexual.

O debate gira em torno de quem é o responsável pelos crimes cometidos com o uso de IA. Lucas Barreiro alertou que “proibir um sistema ou modelo de IA não é viável,” pois isso afetaria também os usos legítimos. Ele apontou que alguns modelos de IA já possuem barreiras de segurança para evitar o uso indevido, mas em modelos de código aberto, os desenvolvedores podem contornar essas restrições.

A deputada Giudici concordou que “o que é ilegal no mundo real também é ilegal no mundo digital.” Ela argumentou que o essencial é penalizar as condutas ilícitas e aqueles que as cometem, em vez de tentar regular as próprias plataformas, pois regulamentos nacionais não teriam efeito global.

Nesse sentido, Giudici apresentou um projeto de lei para sanções contra crimes cometidos com deepfakes, uma proposta semelhante à da deputada Eugenia Alianiello (Unión por la Patria). A equipe de Alianiello afirmou que “os crimes mudaram de forma, mas ainda causam danos reais,” enfatizando que o foco deve estar na proteção das vítimas. No entanto, reconheceram que “a legislação está sendo desenvolvida para um sistema que está em constante evolução e mudança,” representando um desafio para a regulamentação da IA na Argentina.

Desde a bancada peronista, surgiu outra preocupação: a criação da Unidade de Inteligência Artificial Aplicada à Segurança (UIAAS), sob a jurisdição do Ministério da Segurança. Através da Resolução 710/2024, de 26 de julho, essa unidade foi oficializada com funções como “monitorar redes sociais abertas”, “analisar imagens de câmeras de segurança em tempo real” e “identificar padrões incomuns em redes informáticas”, entre outras. Em resposta, a Unión por la Patria apresentou um pedido de informações. “Não houve resposta, mas também não estão respondendo a nenhum outro pedido, quase como uma política de governo”, explicaram ao jornal Ámbito.

O especialista Lucas Barreiro chamou atenção para o fato de que a UIAAS pode usar algoritmos para prever crimes futuros e ajudar a preveni-los. Ele alertou para o risco de que isso leve a “uma presunção de culpa baseada no comportamento digital ou nos antecedentes de uma pessoa, funcionando como um tipo de perfilamento que ignora muitos outros fatores, como o local de residência.” Para Barreiro, essa questão merece ser debatida publicamente, pois “vai além da segurança pública e não deveria ser tratada sem transparência.”

Inteligência Artificial para o Futuro: Educação e Promoção da Indústria

“Estou convencido de que no próximo ano esse será um tema central na agenda legislativa”, afirmou Oscar Agost Carreño (Encuentro Federal), que propôs atualizar a legislação argentina sobre deepfakes e ressaltou a importância de debater os direitos autorais de obras criadas por IA. “Se uma obra é criada por IA, quem é o autor? O desenvolvedor da tecnologia ou quem deu o comando (prompt)? Qual deve ser o grau de criatividade do prompt para ser considerado uma obra?”, questionou Barreiro, reforçando a necessidade de incluir essa pauta na agenda parlamentar de 2025.

Entre as propostas voltadas para impulsionar o uso da IA na Argentina, destaca-se a criação de um regime de incentivos para o Desenvolvimento da Inteligência Artificial, liderado por Silvana Giudici. “O objetivo é transformar a Argentina em um hub de IA, atraindo investimentos nessa área. A corrida global por inovação já começou, e o país tem um grande potencial devido às novas condições estabelecidas pelo governo.” Segundo ela, “a Argentina já tem cinco unicórnios e pode se destacar em novos desenvolvimentos de IA.”

Outro projeto prevê um investimento estratégico em educação: a iniciativa do deputado Dante López Rodríguez (Unión por la Patria) para criar Laboratórios de Informática e Inteligência Artificial nas escolas. No setor educacional, Juan Brügge destacou que “é essencial capacitar alunos e professores no uso de novas tecnologias que irão moldar o futuro.” Para ele, os docentes devem aprender como integrar ferramentas de IA no currículo escolar, mas sempre garantindo que “o pensamento crítico continue sendo uma peça fundamental na educação.”

“A Argentina tem um enorme potencial em IA porque conta com profissionais altamente capacitados”, refletiu Barreiro, mas alertou para um problema crescente: “Se continuarmos perdendo talentos para o exterior e não criarmos um ambiente competitivo, enfrentaremos dificuldades no futuro.” Ele questionou se os investimentos na área serão “dominados por empresas estrangeiras, aproveitando a mão de obra argentina, ou se seremos nós os verdadeiros donos dos avanços tecnológicos que desenvolveremos.”

Apesar das oportunidades apresentadas, os deputados consultados reconheceram que ainda não há consenso entre as diferentes bancadas para unificar os projetos de regulamentação da IA. No entanto, os critérios para a implementação das leis não estão tão distantes, indicando que 2025 será um ano de intensos debates e audiências para encontrar um equilíbrio entre inovação e proteção social. O grande desafio será desenvolver normas que promovam a tecnologia do presente sem ignorar os riscos do futuro.

Autor: Fernando Brovelli

Autor: Fernando Brovelli

Jornalista e colaborador que trabalhou no El País, um dos mais importantes jornais de língua espanhola, com sede em Madrid. O seu trabalho tem sido especialmente relevante na área da tecnologia e inovação digital. Em seus artigos, abordou temas como transformação digital, inteligência artificial, impacto da tecnologia na sociedade e outros assuntos relacionados ao mundo digital.

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