OPTIMUS, a próxima promessa de Musk
O discurso com o qual Musk se vangloria de seus robôs evidencia o preocupante “problema de design” que nós, humanos, temos.
Elon Musk afirma que os robôs Optimus que a Tesla está preparando poderão ajudar você, “cuidando dos seus filhos, passeando com o cachorro ou cortando a grama”. Os robôs nasceram para nos substituir nos trabalhos mais penosos e perigosos. Agora, estão sendo projetados para nos substituir em nossas facetas mais humanas. Essa orientação não só é interessante, mas também deixa em aberto uma série de questionamentos e, por sinal, abre as portas para inúmeras situações que se apresentam na realidade, como os problemas da solidão e o envelhecimento quase global da população. Até o momento, preocupávamo-nos basicamente com a automação e com os temores – simplificando, é claro – da substituição da mão de obra por robôs, aos quais se somou a crescente preocupação com o avanço da inteligência artificial aplicada até mesmo a objetos de uso cotidiano. Musk está abrindo a porta – conceitual e comercial – para o robô inteligente de tarefas domésticas e de companhia. E isso não é uma ameaça, é uma certeza que precisa ser abordada, pois uma das características de Musk é que ele persegue com absoluta tenacidade o que inicia.
A Tesla celebrou na semana passada seu tão aguardado evento We, Robot, no qual a companhia de veículos elétricos deixou os analistas frios, mesmo tendo anunciado seu tão esperado robotaxi — sem volante nem pedais — ou sua nova van, a Tesla Robovan — embora já exista um modelo chinês com o mesmo nome.
Claro, também houve espaço para que vários robôs Optimus desfilassem pelo evento, dançassem um pouco, simulassem servir bebidas ao público — na verdade, eles apenas se atreveram a segurar um copo com gelo —, enquanto Musk continuava profetizando um futuro mais próximo do que você imagina, no qual esse tipo de dispositivo androide fará parte da sua rotina.
Durante os últimos meses, o CEO e fundador da Tesla, além de ser proprietário de plataformas como a X — antes Twitter — ou de companhias como a SpaceX, tem insistido que esses Tesla Optimus poderão começar a ser fabricados já no próximo ano.
No final do ano passado, foi divulgada a segunda geração do Optimus — já estão na terceira — e entre os avanços estavam, bem, isso: dançar, fazer agachamentos ou ferver um ovo. Já no início deste ano, começaram a circular opiniões de que talvez o entusiasmo de Musk pudesse ser injustificado. De qualquer forma, espera-se que os Optimus comecem a trabalhar nas fábricas da Tesla em 2025.
De qualquer forma, Musk voltou a enfatizar no evento da semana passada que os androides da Tesla chegarão em breve a todos os lares para assumir um sem-fim de tarefas. Afinal, o propósito dessa máquina é mitigar a escassez de mão de obra. E aqui surge o que é preocupante: que mão de obra?
Quando os robôs surgiram em cena durante o evento da Tesla em Los Angeles, Musk, com seu habitual tom pausado, começou a brincar: “Vocês poderão ter seu próprio R2-D2 ou C-3PO pessoal. Em escala, eles poderão custar entre 20.000 e 30.000 dólares”.
“Eles poderão fazer tudo o que vocês quiserem. Ser um professor, cuidar dos seus filhos, passear com o cachorro, cortar a grama, fazer as compras… ser seu amigo”.
O problema de design que os humanos enfrentam ao desenvolver tecnologia.
Quando, há décadas, no mundo da ficção científica, havia algo além de obras distópicas — e até se escreviam utopias —, a ideia de um robô assistente era atraente. Mas tudo acontecia em uma sociedade onde os primeiros robôs haviam nascido para substituir os humanos nos postos de trabalho mais penosos, tóxicos ou perigosos.
O que aconteceu em todos esses anos para que, de repente, um magnata sugira com total normalidade e despreocupação a possibilidade de que os primeiros robôs androides comerciais sirvam para cuidar de um filho ou passear com o cachorro?
Pois algo provavelmente semelhante ao que se vê diariamente em certos debates éticos em torno de tecnologias como a inteligência artificial generativa.
Os novos desenvolvimentos técnicos, em vez de se colocarem a serviço da otimização industrial, estão tentando se oferecer como um eletrodoméstico que tornará nossas vidas mais fáceis. Como? Substituindo os humanos nas dimensões mais humanas possíveis.
O exemplo da IA generativa é evidente. Das múltiplas possibilidades que ela oferece, uma das que mais tem repercutido é a de substituir atores e atrizes, designers e ilustradores e até fotógrafos, ofícios intimamente ligados a uma dimensão muito humana: a criatividade.
O que está acontecendo na robótica? Muito do mesmo. E isso não se vê apenas nas promessas de Elon Musk, de fato.
Isso foi abordado por Aurora Gómez, da Corio Psicología, em um reportaje publicado neste site há pouco mais de um ano. O artigo tratava dos riscos de cair no erro de que um modelo de inteligência artificial estaria expressando, de algum modo, algum tipo de emoção.
A psicóloga explicava, em declarações ao Business Insider Espanha, o que é pareidolia: o fenômeno pelo qual os seres humanos tendem a imaginar rostos mesmo em objetos inanimados. Com certeza, você já pensou que um micro-ondas, uma torneira ou até mesmo as nuvens formavam um rosto. É muito comum. “Isso nos acontece até com os animais”, diz ela.
A indústria tecnológica também está muito consciente dessa capacidade humana de desenvolver empatia em relação a objetos ou animais, e leva isso em consideração ao projetar sistemas robóticos. Um braço robótico sinistro em uma fábrica de automóveis não gera ternura. Não é cativante.
Um robô criado para acompanhar pessoas da terceira idade, por outro lado, sim: a equipe que o desenvolve se preocupará para que ele tenha um rosto amigável, mesmo que seja exibido através de uma tela.
Isso, que já acontece, está se dando na gerontotecnologia, um ramo do desenvolvimento tecnológico que busca fórmulas para o cuidado dos humanos mais idosos.
“Está sendo utilizada nossa capacidade de sentir emoção para projetar robôs na gerontotecnologia, as máquinas que são usadas para os idosos”, advertia Aurora Gómez. “Estão sendo projetados robôs que supostamente se destinam aos idosos, pois eles precisarão suprir parte de sua solidão. Isso assusta.”
A própria Gómez enfatizava que o fato de se pensar em “como suprir essa necessidade que a solidão gera” em pessoas da terceira idade e a proposta ser suprir essa necessidade “com robôs” é “um erro de design que temos nós, como humanos.”
Acima de tudo, o cuidado e a companhia dos idosos não deveriam ser deixados a cargo de um robô. O robô deve existir para que o ser humano possa trabalhar menos horas e, consequentemente, cuidar melhor do seu entorno. De certa forma, a proposta de Gómez tem um forte aroma de preconceito. De fato, quando observamos sociedades altamente envelhecidas, com taxas de solidão extremamente elevadas – com todas as consequências que isso implica – rejeitar ou questionar a possibilidade de contar com esse tipo de assistente robótico, dotado de inteligência artificial, é algo um pouco imprudente. Conceitualmente, é algo que deve chegar e que necessariamente não precisa ser visto com o determinismo da extinção do assistente humano. Como toda questão “limítrofe”, nos promete um extraordinário debate e, por sinal, embora muitos se resistam, a instalação de uma tendência na qual não se pode esperar um retrocesso. Além disso, nesse debate e em ações propositivas, as questões éticas e a regulamentação legal não podem nem devem ficar de fora. Cuidar, enfim, do que Musk promete que seus Optimus cuidarão: dos seus idosos, dos seus filhos, dos seus animais de estimação ou do seu gramado.
Tradução do inglês, equipe do Future LAB.
Com comentários do Dr. Ricardo Petrissans (itálico)