Cecilia Rikap, pesquisadora: “Microsoft e Google são como o sal: estão em todos os pratos”Buscando estratégias digitais soberanas

Autor: Manuel G. Pascual

Profissional reconhecido na área de pesquisa, design e inovação social. Seu trabalho é caracterizado pela combinação de estratégias criativas e abordagens interdisciplinares para resolver problemas complexos e gerar soluções sustentáveis. Com sólida formação acadêmica e experiência em projetos internacionais, Pascual tem colaborado em iniciativas relacionadas ao design participativo, desenvolvimento comunitário e transformação organizacional.

Economia | Política

18 Jan, 2025

18 Jan, 2025

“Trabalho no que chamo de monopolização intelectual, especificamente a do capitalismo digital.” É assim que se apresenta Cecilia Rikap (Buenos Aires, 40 anos), professora de Economia na University College London e diretora de pesquisa do Instituto para a Inovação e o Propósito Público (IIPP) dessa instituição. Nos últimos anos, Rikap se especializou em analisar como as grandes empresas de tecnologia monopolizam a geração de conhecimento (não apenas tecnológico, mas também acadêmico, informações sobre os próprios usuários e sobre os processos produtivos) e como isso as coloca em uma posição dominante no mercado.

A doutora Rikap assessora o governo do Brasil em sua estratégia de soberania digital, que busca dotar o país de ferramentas próprias para reduzir sua dependência dos gigantes tecnológicos. Nenhum outro país ocidental apostou tão fortemente nesse tipo de independência tecnológica. Esse é o contexto em que, neste verão, um juiz do Brasil ordenou o fechamento da rede social X depois que seu proprietário, Elon Musk, se recusou a bloquear contas de certos perfis que divulgavam “discursos nazistas, racistas, fascistas, de ódio e antidemocráticos”. Poucas semanas depois, a X recuou e foi autorizada a voltar a operar no país. (Nota da redação: O juiz é o Magistrado do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Alexandre de Moraes, aliado do presidente Lula da Silva e altamente questionado – inclusive com pedidos de impeachment no Parlamento brasileiro por suas decisões extremamente parciais em vários casos, especialmente contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, além de ter protagonizado um escândalo com a empresa de Elon Musk.)

Esse movimento teve consequências. Rikap impulsionou uma carta assinada em setembro por cerca de cinquenta economistas, entre eles Thomas Piketty, Yanis Varoufakis e o recém-premiado Nobel de Economia Daron Acemoglu, denunciando pressões das big techs sobre o governo brasileiro para que não implementasse seu projeto de soberania digital. Mais recentemente, Rikap e outros colegas reuniram diretrizes em um documento para orientar essa busca por soberania digital. “A chave é que o novo ecossistema digital seja liderado pelo setor público”, afirma a pesquisadora em uma videoconferência de Londres.

Resposta. No capitalismo global, a acumulação de capital se concentra em grandes empresas, que também monopolizam ativos intangíveis. Minha pesquisa investiga as dinâmicas de coprodução e apropriação do conhecimento. Basicamente, analiso publicações científicas e patentes, que são informações disponíveis, e examino onde são geradas e com quem são compartilhadas. Por esse método, identifiquei em 2017 que a Amazon estava deixando de ser apenas uma empresa de comércio eletrônico para se transformar em uma gigante da tecnologia, cada vez mais focada na nuvem. Já em 2020, observamos que o foco principal da pesquisa dessas empresas era a inteligência artificial (IA), mais especificamente o aprendizado de máquina (machine learning) e o aprendizado profundo (deep learning). Esse caminho foi trilhado em colaboração com milhares de universidades.

P. De quais empresas estamos falando?

R. Fundamentalmente, de Amazon, Microsoft e Google, as grandes dominadoras da nuvem. Elas controlam 70% do mercado mundial, e se esse percentual não é ainda maior, é porque não podem operar na China. Essas empresas também estão monopolizando o desenvolvimento da IA, uma tecnologia que pode ser aplicada a todas as indústrias e, potencialmente, a todos os aspectos da vida. Além disso, a IA é uma ferramenta para a invenção. Ela não é apenas código, mas também modelos, dados e capacidade de processamento. Todos esses elementos estão sob o domínio, em particular, da Amazon, Microsoft e Google. A capacidade das duas últimas de influenciar a agenda de pesquisa em IA é enorme.

R. Microsoft e Google são como o sal: estão em todos os pratos, têm relação direta ou indireta com quase tudo o que se faz no mundo da IA. Elas dominam a agenda de pesquisa, controlam o que as startups fazem, seja comprando-as ou financiando-as. Também evangelizam e controlam o software livre. À primeira vista, isso pode parecer uma solução ideal, pois fornecem infraestrutura digital para as empresas, desde centros de dados até software como serviço, mas isso gera dependência e, depois, cortar relações com elas e buscar alternativas se torna extremamente caro.

Além disso, quando as empresas vendem por meio da nuvem, que é controlada principalmente por Amazon e Microsoft, precisam pagar um percentual, seja uma pequena empresa ou gigantes como Coca-Cola ou Inditex. Esta última depende do conhecimento sobre como organizar seu processo de produção e gestão de estoques da maneira mais eficiente, o que está intimamente ligado à capacidade de utilizar algoritmos de IA que analisam grandes volumes de dados. Assim, seu negócio depende das fornecedoras desse serviço.

R. O sistema é dominado por elas, mas não por meio da propriedade. E isso é fundamental, porque, caso contrário, seria evidente para os reguladores da concorrência que há um problema. As big techs crescem na economia digital por meio do controle e da sua capacidade de se apropriar do valor gerado.

R. Após uma primeira visita pelo IIPP, tive reuniões a título pessoal e sem interesses financeiros com vários ministérios, e me pediram para analisar seu plano de IA e ajudá-los a definir prioridades. O que estamos discutindo é: como construir um modelo de desenvolvimento de IA e de nuvem que seja soberano para um país periférico?

R. Está claro que a nuvem é fundamental e que há um grande gargalo nesse setor. Desenvolver uma nuvem verdadeiramente pública seria essencial. Mas não basta oferecer apenas infraestrutura, pois pode acontecer de uma startup treinar seu modelo em sua nuvem estatal, mas depois vender seus serviços na nuvem da Amazon, Microsoft e Google, porque é lá que está a demanda.

Se você deseja criar um aplicativo baseado em IA, provavelmente não desenvolverá o modelo do zero: usará um já existente, que provavelmente estará nas nuvens da Amazon, Microsoft ou Google.

A ideia com a qual o governo do Brasil está trabalhando é identificar os gargalos que surgem em toda a cadeia de valor e decidir que tipo de IA deseja desenvolver. Inicialmente, considerou-se a criação de uma nuvem pública, um modelo de IA fundamental e, depois, o incentivo para que startups ou qualquer empresa desenvolvam aplicações, tendo o setor público como um primeiro cliente. A reação das grandes empresas de tecnologia tem sido muito, muito forte.

R. Estão tentando gerar tensões internas no governo do Brasil. Desde o momento em que Lula [da Silva, presidente do país] anunciou o plano de IA, tanto Amazon quanto Microsoft começaram a afirmar que aumentariam seus investimentos no país. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, por exemplo, celebrou um acordo com a Microsoft, que já havia sido firmado na era Bolsonaro, pelo qual investirão 2,7 bilhões de dólares no desenvolvimento de serviços de IA na educação pública. O governo, no fim, está optando por construir uma plataforma sobre a nuvem das big techs que, apesar dos meus esforços e de parte do próprio governo, não será completamente independente.

R. Sim. A chave é organizar uma resposta regional. Uma nuvem verdadeiramente pública exige um investimento enorme. Se vários países participarem, o sistema não poderá ser derrubado caso um único governo, como o de Milei, decida sair.

R. Sim, e tem mais chances de sucesso na União Europeia do que no Brasil. Isso porque há mais recursos e uma massa crítica maior de especialistas. Mas a Europa conseguirá uma IA independente com seu plano de fábricas de IA? Não, porque as startups que surgirem dali acabarão usando a nuvem da Amazon, Microsoft e Google. De fato, no Reino Unido e na Alemanha, a nuvem pública está sendo desenvolvida diretamente com a parceria dessas empresas.

Outra IA é possível, mas é preciso planejá-la. Ela não pode surgir de uma empresa privada, seja ela europeia ou não. É preciso perder o medo da palavra “planejamento”. Isso não é sinônimo de algo antidemocrático – na verdade, são as big techs que já executam seu próprio planejamento sem praticamente nenhuma oposição. É necessário fazer isso de outra forma. Caso contrário, simplesmente continuamos avançando para um mundo mais desigual.

O jornal El País é um dos periódicos mais influentes e reconhecidos de língua espanhola, com sede em Madri, Espanha. Fundado em 1976, é uma referência na imprensa escrita e digital, conhecido por sua abordagem progressista e seu compromisso com o jornalismo de qualidade. Sua cobertura abrange uma ampla variedade de temas, desde política, economia e cultura até ciência, tecnologia e sociedade, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Com uma forte presença digital, El País se adaptou às mudanças no consumo de informação, consolidando-se como uma fonte essencial de notícias no mundo hispanofalante.

Autor: Manuel G. Pascual

Autor: Manuel G. Pascual

Profissional reconhecido na área de pesquisa, design e inovação social. Seu trabalho é caracterizado pela combinação de estratégias criativas e abordagens interdisciplinares para resolver problemas complexos e gerar soluções sustentáveis. Com sólida formação acadêmica e experiência em projetos internacionais, Pascual tem colaborado em iniciativas relacionadas ao design participativo, desenvolvimento comunitário e transformação organizacional.

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