Contra a «vassalização feliz… é hora de agir»: o apelo de Sergio Mattarella

Autor: Le Grand Continent

Revista e plataforma online europeia dedicada a análises, ensaios e debates sobre geopolítica, economia, cultura e sociedade. Seu objetivo é promover discussões reflexivas sobre as principais questões globais a partir de uma perspectiva europeia, reunindo intelectuais, especialistas e formuladores de políticas.

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9 Jun, 2025

9 Jun, 2025

O primeiro chefe de Estado europeu a opor uma resistência frontal e articulada ao projeto imperial que se delineia desde que o novo Vale do Silício se instalou na Casa Branca com Donald Trump é um democrata-cristão siciliano de 83 anos.

O presidente da República Italiana, Sergio Mattarella, pronunciou hoje em Marselha um discurso no qual denunciou a «vassalização feliz».

Na Itália de Meloni, num momento em que a presidente do Conselho parece demonstrar uma proximidade cada vez mais evidente com Trump e Musk, o Quirinal quis traçar linhas vermelhas claras ao colocar uma pergunta estruturante: «A Europa pretende ser objeto de disputa internacional, zona de influência para outros, ou, ao contrário, tornar-se sujeito da política internacional, na afirmação dos valores de sua própria civilização? Pode aceitar ver-se presa entre oligarquias e autocracias?»

Sergio Mattarella traçou um rumo: «Com, na melhor das hipóteses, a perspectiva de uma ‘vassalização feliz’, temos que escolher: ser ‘protegidos’ ou ser ‘protagonistas’?»

Desenvolvendo a análise sobre o tecno-cesarismo, advertiu sobre «a emergência dos novos senhores neofeudais do terceiro milênio — esses novos corsários a quem podem ser atribuídas patentes — que aspiram a que lhes sejam confiados senhorios na esfera pública e a gerir partes dos bens comuns representados pelo ciberespaço e o espaço exterior, tornando-se quase usurpadores da soberania democrática».

Não é a primeira vez que o Presidente da República critica duramente Elon Musk.

Em novembro, Mattarella respondeu com firmeza a uma campanha do dono do X, que havia questionado a independência do sistema judicial italiano depois que um tribunal romano se recusou a validar a transferência de imigrantes para a Albânia.

Numa declaração inusitadamente dura para as comunicações frequentemente muito institucionais do Quirinal, o presidente da República Italiana lembrou que «a Itália é um grande país democrático […] que sabe cuidar de si mesmo» e denunciou qualquer ingerência externa, numa alusão ao futuro papel de Musk como assessor sob a administração Trump: «Qualquer pessoa, especialmente se, como foi anunciado, está prestes a assumir um importante papel governamental num país amigo e aliado, deve respeitar a sua soberania e não pode arrogar-se o direito de lhe dar diretivas».

Diante desta postura particularmente dura, Musk enviou uma mensagem à agência ANSA na qual afirmava seu respeito por Mattarella e pela Constituição italiana, ao mesmo tempo que defendia seu direito à liberdade de expressão.

É esta a prova de que —como teria dito Mike Tyson— «todo mundo tem um plano até levar um soco na cara»?
Senhor Presidente da Universidade,
Senhor Reitor da Academia,
Senhor Diretor da Faculdade de Direito e Ciências Políticas,
Senhor Diretor do Institut Portalis,
Senhoras e Senhores, Diretores e Professores,
Prezadas e prezados estudantes,

É para mim um verdadeiro privilégio receber o título de doutor honoris causa desta prestigiada universidade, uma das principais instituições acadêmicas da França.

Gostaria de agradecer ao Presidente, Professor Eric Berton, ao Professor Jean-Baptiste Perrier, Diretor da Faculdade de Direito e Ciências Políticas, e a todo o corpo acadêmico e equipe. Também gostaria de expressar minha gratidão pelo compromisso diário com a difusão do conhecimento.

A França e a Itália desfrutam de uma relação de proximidade geográfica, cultural e civil que representa uma valiosa vantagem à disposição dos Estados amigos no cenário geopolítico, especialmente no momento atual. O Tratado do Quirinal o confirmou recentemente.

Marselha, por sua vez, encarna plenamente essa expressão: é o emblema e a estratificação dessa civilização mediterrânea que nos une. Um Mediterrâneo que uniu os povos desde a Antiguidade, e que hoje não está isento de aspectos críticos.

Saúdo a Conferência de Estudantes Cop4 que, nos próximos dias, se concentrará na crise do Mediterrâneo, sinal da sensibilidade das novas gerações.

Amizade e proximidade significam também responsabilidade compartilhada e compromisso para enfrentar desafios de proporções tão alarmantes.

Uma universidade como esta, onde se estudam história e direito para se adquirir ferramentas para compreender e gerir o presente e o futuro, é o lugar adequado para refletir sobre o estado das relações internacionais e sobre o estado da ordem que os nossos países ajudaram a definir.

Permitam-me continuar em italiano.

As palavras anteriores foram pronunciadas em francês pelo Presidente da República Italiana. A partir daqui, portanto, traduz-se do italiano.

Uma ordem internacional que, como todos os contratos sociais e todas as estruturas políticas, reafirma sua função e confirma sua estabilidade se for alimentada pelo compromisso, desenvolvendo uma capacidade de escuta, adaptação e cooperação diante dos fenômenos que surgem.

A história, em particular a do século XX, nos ensinou que essa ordem é uma entidade dinâmica, sujeita a equilíbrios que, naturalmente, não estão imunes a tensões políticas e a mudanças econômicas.

Frequentemente, os desequilíbrios que surgem têm raízes distantes: nas sequelas de conflitos passados. Ou correspondem a impulsos e ambições de atores que acreditam poder jogar uma partida em condições novas e mais favoráveis: a diminuição do efeito limitador das possíveis reações da comunidade internacional no passado e o surgimento de uma crescente desilusão com os mecanismos de cooperação na gestão de crises. Esses instrumentos foram criados para enfrentar as pressões incontroladas por reabrir situações anteriormente resolvidas pela via diplomática.

A vida das instituições surgidas nas décadas após a Segunda Guerra Mundial, marcada por reveses repentinos e decepções, infelizmente não conseguiu demonstrar todo o seu potencial de eficácia.
O jogo de vetos no seio do Conselho de Segurança impediu, por diversas vezes, que a ONU aplicasse plenamente seus esforços de manutenção da paz, mas, apesar de tudo, aquilo que conseguiu realizar representa um grande êxito.
Seus detratores frequentemente esquecem, entre outras coisas, seu papel crucial no processo de descolonização ou na criação de um arcabouço normativo para conter a escalada militar e fomentar o desarmamento.

Ao considerar o futuro da ordem internacional, é essencial recordar a sequência de acontecimentos, ações e omissões que conduziram à tragédia da Segunda Guerra Mundial, diante das incertezas geopolíticas que caracterizam o nosso mundo atual.
A história não está aí para ser repetida servilmente. Mas nunca deixamos de aprender com os erros cometidos ao longo dela.

A crise econômica mundial de 1929 abalou os alicerces da economia global e alimentou uma espiral de protecionismo e unilateralismo à medida que as alianças se deterioravam.
O livre comércio sempre foi um elemento de entendimento e de encontro. Muitos Estados não compreenderam a necessidade de enfrentar essa crise de forma coerente, baseando-se apenas em visões herdadas do século XIX, concentrando-se na dimensão nacional e apoiando-se, no máximo, nos recursos dos povos escravizados no exterior.

Fenômenos autoritários impuseram-se então em alguns países, atraídos pelo conto de que os regimes despóticos e iliberais seriam mais eficazes para proteger os interesses nacionais.
O resultado foi o surgimento de um ambiente cada vez mais conflituoso — em vez de cooperativo —, apesar da consciência de que os problemas exigiam abordagens e soluções em escala mais ampla.
Em lugar da cooperação, prevaleceu o critério da dominação. E foi reaberta a era das guerras de conquista.

Esse era o plano do Terceiro Reich para a Europa.
A agressão russa de hoje contra a Ucrânia tem essa mesma natureza.

Hoje também assistimos ao retorno do protecionismo.
Há poucos dias, em Davos, a Presidente da Comissão Europeia nos recordou que as barreiras comerciais globais haviam triplicado seu valor somente em 2024.

A crise econômica, o protecionismo, a desconfiança entre os atores globais e a imposição de regras voluntárias deram o golpe de misericórdia na Sociedade das Nações, nascida após a Primeira Guerra Mundial, já comprometida pela não participação dos Estados Unidos, que com o Presidente Wilson estiveram entre seus inspiradores.

Para os Estados Unidos, isso significou ceder à tentação do isolacionismo.
Mas o trabalho da Sociedade não foi em vão: devemos a ela, por exemplo, a Convenção sobre a Escravidão, que busca abolir o tráfico de escravos — e estamos em 1926.

No frágil contexto dos anos entre guerras, marcados por um sombrio crescimento do nacionalismo, tendências alarmantes de rearmamento e competição entre Estados — segundo a lógica das esferas de influência —, houve cerca de vinte casos de retirada da Sociedade das Nações.
A Alemanha, com Hitler na Chancelaria, retirou-se em 1933. O Japão fez o mesmo. A Itália também se retirou em 1937. Esses dois últimos países — juntamente com a França, o Império Britânico e a própria Alemanha — eram membros permanentes do Conselho da Sociedade das Nações.


© FRANCESCO AMMENDOLA/UFFICIO PER LA STAMPA E LA COMUNICAZIONE DELLA PRESIDENZA DELLA REPUBBLICA

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