“É impossível interagir com o ChatGPT sem pensar”
O docente da Universidade de Navarra opina que os resultados na aprendizagem já não são importantes e que é preciso focar no ensino da reflexão aos alunos sobre o processo
Dois anos após seu surgimento, o ChatGPT continua alimentando o debate educacional. A balança, no entanto, começa a se inclinar — ainda que lentamente — a favor daqueles que começaram a se perguntar: como integrá-lo à sala de aula? Francesc Pujol (58 anos, Barcelona) sabe que não há uma única resposta, mas, acima de tudo, assegura que o mundo docente não pode mais ignorar essa ferramenta. Professor de economia e liderança na Universidade de Navarra, onde leciona há 26 anos, conhece bem os riscos, limitações e oportunidades que essa tecnologia disruptiva oferece. Ele reuniu essas experiências em dois livros sobre o uso da inteligência artificial no ensino. Também lidera o IAdocents, um grupo de trabalho no campus, e já formou cerca de 900 professores (universitários e do ensino médio) sobre como integrar melhor a IA em sala de aula.
Pergunta: O ChatGPT derrotou os professores?
Resposta: Conheço muitos professores que estão em uma fase de derrota, aceitando que essa ferramenta entrou na sala de aula sem permissão e que precisam fazer algo a respeito. De repente, todos os trabalhos dos alunos são maravilhosos, incríveis, profundos, mas depois, quando esses mesmos alunos fazem as provas, têm desempenho tão bom ou tão ruim quanto nos anos anteriores. Tiveram que aceitar que existe uma ferramenta capaz de gerar resultados de alto nível e, em muitos casos, de forma reativa. Alguns dizem: não vou mais pedir trabalhos, vou concentrar tudo nas provas finais ou parciais. Mas também há uma proporção crescente de professores universitários e do ensino médio que está se preparando para responder a essa mudança.
P: Qual é a chave para que essa transição seja pacífica?
R: É lógico que os professores pensem que o foco deve ser entender melhor a ferramenta, como funciona e como dar as instruções corretas. No entanto, essa não é a chave. O foco está na tarefa. Em repensar o processo e não o resultado. Os resultados cada vez dizem menos sobre o conhecimento, a aprendizagem ou o esforço dos alunos, porque são gerados por um programa. O essencial é acompanhar o processo. Existem duas formas de canalizar isso: você pode pedir um trabalho que documente o processo com evidências ou trabalhar diretamente com eles em sala. O objetivo é documentar, tornar visível e avaliável a evolução até chegar a uma resposta.
P: Qual é o esforço que os professores devem fazer agora?
R: Isso obriga a pensar constantemente em coisas que antes não era necessário pensar, como: que aprendizado esse trabalho traz ao aluno em seu processo de conhecimento e reflexão? Antes da IA, se você pedia um trabalho a um aluno, sabia que ele ia aprender de qualquer forma, porque teria que construir essa informação por conta própria. Agora o conteúdo do trabalho não fornece informação, então é preciso pensar em como avaliar o processo. Isso leva diretamente ao centro da pedagogia e da vocação docente, porque é preciso repensar o que se quer que os alunos aprendam.
P: É importante que isso também aconteça no ensino médio?
R: No ensino médio está em jogo muita coisa. Com o mau uso da IA na universidade você obtém muitos trabalhos ruins e, em geral, baixo aprendizado. No ensino médio, o problema é que, por causa da má integração da IA, eles aprendam a pensar menos justo na fase em que estão desenvolvendo suas capacidades cognitivas, seu espírito crítico, sua capacidade de análise. É crucial agir. Todas essas capacidades podem atrofiar se o ChatGPT resolver todos os problemas e o professor não intervir. A função do professor deve ser mitigar os riscos dessa nova ferramenta e multiplicar as potencialidades do seu valor agregado.
P: Então, como aproveitar essa tecnologia em sala de aula?
R: Usado corretamente, o ChatGPT permite ver todos os elementos relevantes de um problema, o programa sabe atribuir pesos diferentes a cada um dos elementos que compõem um trabalho escrito, identificar argumentos relevantes em um texto e, portanto, se o aluno for capaz de entender esse processo, isso o ajuda a melhorar a capacidade de análise e também a desenvolver o espírito crítico.
P: Como o senhor integra a IA generativa em sala de aula?
R: Os alunos devem me apresentar dois documentos, um com o ensaio e outro com o making of do texto. Neste último, peço que identifiquem todas as partes do ensaio, as instruções que seguiram para elaborar cada parágrafo, o que fizeram para melhorar uma resposta se estava muito simplista ou as perguntas complementares que realizaram. Essa é a zona à qual devemos levar os alunos. Se um aluno deixa passar uma afirmação falsa no trabalho, recebe nota zero diretamente. Também costumo mostrar, com permissão dos alunos, as melhores práticas para que eles possam aprender uns com os outros.
P: O processo de aprendizagem está melhorando?
R: Graças ao ChatGPT, obrigo os alunos a explicitar o processo de reflexão sobre os conteúdos que geraram com o programa, então, no mínimo, eles serão obrigados a ler os conteúdos. Porque não devemos nos enganar: antes do ChatGPT as pessoas também não aprendiam muito, pois copiavam conteúdos encontrados no Google. Agora o problema é que podem gerar conteúdos com falsidades. Ou aprendem a identificar essas falsidades ou terão um problema gigantesco no futuro profissional.
A função do professor deve ser mitigar os riscos dessa nova ferramenta e multiplicar as potencialidades
P: Que lições o senhor tira desse processo?
R: Como professor, desfruto desses textos e posso aprender, porque evidentemente antes um ensaio de um aluno universitário não me trazia nada, pois expunha coisas muito básicas. Agora aparecem conteúdos muito interessantes e valiosos, e reflexões profundas que, embora não tenham sido elaboradas por eles, são validadas por eles. Os alunos se acostumam a trabalhar com análises mais detalhadas e ricas em nuances, e isso é algo que vão assimilar. Eu sei que essa nova forma de trabalho os obriga a pensar, porque é impossível interagir com o ChatGPT sem pensar.
P: Como isso vai evoluir nos próximos dois anos?
R: Muito em breve, essas ferramentas não vão apenas responder perguntas, mas executar tarefas completas, como análises detalhadas de um modelo de negócio de uma startup, o desenvolvimento de um caso jurídico ou diretamente um trabalho final de graduação. Isso também nos obriga a repensar a forma como se faz pesquisa. Surgirão melhores metodologias e atividades que documentem todo o processo desenvolvido pelo ChatGPT e validado por um aluno. Já existem ferramentas que registram tudo o que acontece quando os alunos usam IA.
P: Para onde estamos indo?
R: A capacidade humana de acompanhar essa rápida transformação tecnológica está ficando para trás. É muito difícil acompanhar o ritmo. E muito mais difícil ainda é incorporar essa mudança no âmbito social e organizacional. A cultura organizacional avança mais devagar do que as necessidades. Vemos que o que estamos fazendo está obsoleto, não faz muito sentido, mas não damos conta, porque não temos capacidade de reação para aplicar agora, já. Isso requer uma revisão e um amplo reajuste. E é preciso ter em conta que pode haver disparidade entre uma instituição e outra, entre um país e outro, entre quem tem mais recursos e quem tem menos. Essas são as perguntas que teremos que enfrentar muito em breve.
Luis Enrique Velasco é um jornalista e colaborador especializado em temas de educação, tecnologia e inovação. Contribui com reportagens e entrevistas que exploram o impacto das novas ferramentas digitais no ensino e na aprendizagem.
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