O Uruguai terá 440.000 habitantes a menos em 2070, ano em que os idosos triplicarão o número de crianças: é o que dizem as projeções do Instituto Nacional de Estatística
Nos próximos anos, Montevidéu continuará seu esvaziamento, Maldonado será o que terá maior crescimento populacional e a relação entre pessoas em idade de trabalhar e inativas começará a se equilibrar. Em 2070, haverá três idosos para cada criança
Tomer Urwicz, El Observador, Montevidéu.
“Quando o Uruguai joga, correm três milhões”. O cantor e compositor Jaime Roos e o letrista Raúl Castro foram visionários para a época. Escreveram este verso em 1994 sem imaginar que, anos depois, os cálculos do Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmariam que essa seria a população projetada para o país em 2070.
O Uruguai tinha essa quantidade de habitantes (três milhões) quando terminou o governo cívico-militar. O tamanho da população foi crescendo até que, em 2020, atingiu seu pico máximo (pouco mais de três milhões e meio). Desde então, começou a diminuir e, segundo projetaram os demógrafos Amand Blanes e Mathías Nathan, a queda será ainda mais abrupta a partir de 2045. Em 2070, último ano alcançado pelas projeções, chegar-se-á com cerca de 440.000 habitantes a menos que os atuais.
O Uruguai registra quatro anos consecutivos em que morrem mais pessoas do que nascem. E a imigração não está conseguindo mudar esse quadro, pois apenas compensa os uruguaios que deixam o país.
As razões por trás do fenômeno não são necessariamente negativas. O país teve uma notável redução na gravidez na adolescência, que explica mais da metade da “grande queda” da fecundidade que o Uruguai teve a partir de 2016.
A pandemia de covid-19, nesse sentido, não fez outra coisa senão antecipar um fenômeno que também se aproximava: o aumento das mortes em uma sociedade que — considerando que as pessoas vivem mais anos — é cada vez mais envelhecida e, portanto, com mais chances de falecer.
Blanes e Nathan, que foram contratados pelo INE para estimar e projetar a população com base nos resultados do último censo, apostam em uma hipótese que, a seu ver, é a mais provável de acontecer: nos próximos anos haverá um “efeito rebote” e a fecundidade terá uma “leve recuperação”.
A que se referem? As mulheres estão tendo seus filhos em idades mais avançadas. Mas, como ocorreu na Espanha ou nos países nórdicos, é provável que algumas dessas mulheres decidam ter filhos (apenas mais tarde). Além disso, pesquisas de opinião pública mostram que, para boa parte dos uruguaios, o número ideal de filhos continua sendo dois.
O aumento, se ocorrer, estima-se que será leve. Eleva a taxa global de fecundidade em algumas poucas décimas, e o índice continuará muito abaixo do nível de reposição (como os técnicos chamam o ponto a partir do qual a descendência supera os pais).
Não é a única suposição dos demógrafos. Os uruguaios viverão cada vez mais anos. Para 2070, por exemplo, as projeções indicam que, ao nascer, os homens terão expectativa de vida de 82,5 anos; e as mulheres, 87,5 anos.
A expectativa de vida feminina continua maior, mas a diferença está diminuindo. Por quê? Entram muitas explicações possíveis: desde mudanças de hábitos nos homens (cuidando mais de si) até a “masculinização” de parte da vida das mulheres (estilo de vida mais parecido com o que os homens tinham em uma sociedade mais patriarcal).
Caso a expectativa de vida não aumente tanto quanto projetam os técnicos (hipótese de menor longevidade), a população do Uruguai cairia ainda mais (em vez de perder cerca de 440.000 pessoas até 2070, reduziria em cerca de 550.000). Se acontecer o contrário (longevidade maior que a projetada), a população ainda cairia, mas em 350.000 até aquele ano.
A lei de Malthus, formulada pelo economista britânico homônimo que antecipou que a população crescia de modo exponencial, mais rápido até do que os recursos que a humanidade gera, foi uma preocupação para os tomadores de decisão por séculos. Hoje, mostram as projeções, o curso populacional mudou e iniciou seu declínio (o que não significa extinção). Os desafios são outros.
Um país de idosos
A equação é simples: cada vez menos crianças e cada vez mais pessoas vivendo mais anos. O resultado é uma sociedade cada vez mais envelhecida. No caso do Uruguai, projetando até 2070, muito envelhecida.
Se juntarmos todos os habitantes do país e fizermos uma média de idade, hoje está em torno de 39 anos. Em 2070, essa média estará em 50 anos.
A visão mais econômica da evolução populacional acende sinais de alerta diante dos desafios que implica essa grande transição demográfica. Se nos próximos anos haverá cerca de 48 pessoas em idade não laboral para cada 100 em idade de trabalhar, em 2070 a relação será de 79 pessoas inativas para cada 100 ativas.
Soma-se a isso o desafio de cuidar de uma população envelhecida, o aumento dos gastos em saúde de habitantes cada vez mais velhos, a adaptação da infraestrutura e até o papel que se atribui ao idoso na sociedade.
A pirâmide populacional do Uruguai, nesse sentido, se parecerá muito pouco com as pirâmides do Egito, com uma base larga que vai afunilando conforme se sobe. Pelo contrário, a base será pequena e depois se alargará: em 2070, um terço da população terá mais de 65 anos, enquanto as crianças serão cerca de 11% (três vezes menos).
Não é uma peculiaridade uruguaia. A evolução da população mundial — especialmente nos países mais desenvolvidos — segue esse mesmo sentido.
O vazio de Montevidéu
As professoras sempre repetem: “O macrocefalisma montevideano”. É uma forma de resumir o poder político, administrativo e populacional que a capital do Uruguai possui. Mas as projeções do Instituto Nacional de Estatística mostram que o departamento menor em área e maior em número de habitantes continua seu esvaziamento.
Nos próximos vinte anos — um piscar de olhos em termos históricos — Montevidéu perderá um décimo de seus habitantes: passará de cerca de 1.288.788 para 1.146.239.
A capital é, nesse sentido, o departamento que mais perde população e só é superada (em termos relativos) por Treinta y Tres (cuja perda se situa em 11,5% em duas décadas).
A diminuição da população será a norma em 15 dos 19 departamentos, muito em sintonia com o que acontece em nível nacional. Mas os quatro departamentos restantes ganharão habitantes graças à migração interna.
“César Aguiar previa isso há 30 anos: estávamos a caminho de ter uma cidade costeira situada do oeste de Montevidéu até Punta del Este. Então não se trata tanto de um vazio de Montevidéu, mas de uma nova forma de organização da cidade que escapa aos limites administrativos que conhecemos”, explicou o demógrafo e economista Juan José Calvo.
Maldonado liderará o crescimento em termos relativos. Canelones será o líder em números absolutos. Mas também aumentarão sua população San José e Rocha.
Essa reorganização da população, que tende a ser cada vez mais envelhecida, implica outros desafios: quantos representantes parlamentares cada departamento terá, como serão estruturadas as infraestruturas de hospitais e escolas, a oferta cultural, o transporte e um longo etcétera de uma sociedade que iniciou uma nova fase demográfica.
Tomer Urwicz é um jornalista uruguaio, colaborador de veículos de imprensa como El Observador, especializado em temas sociais, econômicos e demográficos.
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