Segundo Varoufakis, o capitalismo morreu e o que vem agora é pior
O ex-ministro da Economia grego afirma em seu novo ensaio que a tecnologia, dominada por milionários sem escrúpulos e com um poder político desmedido, está nos escravizando
O pai de Yanis Varoufakis era engenheiro químico e trabalhava em uma usina siderúrgica perto de Atenas. Em certa ocasião, levou para casa alguns pedaços de diferentes metais e os mostrou ao pequeno Yanis para transmitir-lhe sua fascinação por eles. Esses metais e a capacidade do ser humano de transformá-los em objetos e ferramentas, contou-lhe, haviam permitido que a humanidade abandonasse a pré-história e chegasse à modernidade. O pai de Varoufakis era comunista. E, embora estivesse decepcionado com o rumo que os países da órbita soviética haviam tomado, e fosse plenamente consciente dos males que a industrialização havia infligido a muitos trabalhadores explorados, estava convencido de que, se o ser humano conseguisse dominar a tecnologia, poderia emancipar-se e viver com prosperidade, liberdade e igualdade.
Em parte devido aos ensinamentos de seu pai, o pequeno Yanis acabaria tornando-se um polêmico economista de esquerda, líder de um novo pensamento marxista e autor de bestsellers como O Minotauro Global (Capitán Swing), no qual elaborava uma complexa — e muito discutível — teoria sobre o papel dos Estados Unidos e do dólar na crise financeira europeia da década passada. Mais tarde, após ser nomeado ministro das Finanças da Grécia e enfrentar a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional, converter-se-ia em uma celebridade política global.
Mas Varoufakis demonstrou ser muito melhor intelectual e ativista do que político e, após abandonar o cargo depois de apenas seis meses, voltou a dedicar-se em tempo integral como escritor e conferencista. Publicou alguns livros irrelevantes sobre o futuro do capitalismo, como Economia sem gravata e E os pobres sofrem o que devem?, além de brilhantes memórias do período das negociações com a troika, Comportar-se como adultos (todos publicados pela Deusto). Criou, além disso, uma rede internacional progressista e um partido com atuação na Europa e na Grécia, que não produziram nenhum fruto político relevante. Como tantos esquerdistas de sua geração, sua carreira é uma estranha sucessão de grandes êxitos e terríveis fracassos.
Agora, a editora Deusto publicou outro de seus livros interessantes: Tecno-feudalismo. O sucessor silencioso do capitalismo, que adota a forma de uma longa carta escrita a seu pai, na qual lhe conta que seu sonho emancipador fracassou: os seres humanos não apenas não conseguimos dominar a tecnologia, como, nos últimos anos, com o auge da internet, dos celulares, das redes sociais e das grandes empresas digitais, aconteceu exatamente o contrário. A tecnologia, dominada por milionários sem escrúpulos que dispõem de um desmesurado poder político, está nos escravizando a todos. O livro é muito ilustrativo das virtudes e das carências de Varoufakis: ele é capaz de fazer diagnósticos discutíveis, porém inteligentes e originais, mas suas propostas para solucioná-los costumam ser inviáveis e potencialmente catastróficas.
A tese principal de Tecno-feudalismo é muito ousada. Segundo Varoufakis, o capitalismo morreu e foi substituído por um novo sistema econômico do qual nós somos meros servos. A economia já não é regida pelos mercados e pela concorrência — que eram a essência do capitalismo —, mas sim por monopólios tecnológicos que nos impedem de operar economicamente à margem deles, capturam nossas rendas e nos fazem trabalhar de graça. “Cada vez que nos conectamos para desfrutar dos serviços desses algoritmos, não nos resta outra opção senão fazer um pacto fáustico com seus proprietários — diz Varoufakis —. Para utilizar os serviços personalizados que seus algoritmos oferecem, devemos submeter-nos a um modelo de negócio baseado na coleta de nossos dados, no rastreamento de nossa atividade e na seleção invisível de nossos conteúdos. Uma vez que o fazemos, o algoritmo se dedica a nos vender coisas enquanto vende nossa atenção a terceiros.” Assim, a atividade econômica não é livre, como se supunha que fosse no capitalismo; e além disso se deslocou para a nuvem, onde vigoram regras de produção diferentes. “O capital na nuvem — diz — pode reproduzir-se sem mão de obra assalariada. Como? Impondo a quase toda a humanidade que contribua para sua reprodução — de graça!”. Todos, portanto, somos servos da nuvem, que, explica Varoufakis em algumas das passagens mais difíceis, mas interessantes e discutíveis do livro, se beneficiou das políticas monetárias que os bancos centrais implementaram para tirar os Estados Unidos e a Europa da crise financeira de quinze anos atrás.
Quais soluções propõe Varoufakis? Uma mudança radical na natureza do dinheiro, das empresas e das relações de trabalho, e a conversão da nuvem no equivalente digital de uma praça pública controlada pelos cidadãos. Mas, para isso, é preciso, segundo ele, uma coalizão inédita que vá além dos tradicionais proletários de esquerda — “os operários das fábricas, os maquinistas, os professores e os enfermeiros” — e inclua os proletários da nuvem e os servos da nuvem. Ou seja, todos os cidadãos do mundo. “Somente uma grande coalizão que os inclua a todos pode enfraquecer suficientemente o tecno-feudalismo.”
“Talvez pareça uma tarefa difícil, e é”, reconhece. E como é. Porque, mesmo que Varoufakis tenha razão em seu diagnóstico — e em algumas ocasiões é bastante convincente —, imaginar um plano político que necessariamente passe por todos os cidadãos do mundo se rebelarem contra Apple, Microsoft, Amazon ou Google não é apenas impossível. É quase pior do que não propor solução alguma.
Ramón González Férriz (Granollers, Barcelona, 1977) é um jornalista, editor e escritor espanhol especializado em política e cultura. (Alianza Editorial) Colabora regularmente com El Confidencial (elconfidencial.com) e ocupa o cargo de conselheiro editorial na consultoria LLYC (LLYC). Em sua trajetória profissional, foi editor associado da revista Política Exterior, diretor do semanário Ahora e responsável pela edição espanhola de Letras Libres. (Alianza Editorial) Como autor, publicou obras como Os anos perigosos. Por que a política se tornou radical (2024) e A armadilha do otimismo. Como os anos noventa explicam o mundo atual (2020). (Alianza Editorial)





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